sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Madeira de Cerejeira

Há vários métodos pelos quais um pobre cristão pode procurar cumprir expiação por seus pequenos pecados. Um deles – talvez não exatamente o mais ortodoxo, mas certamente um dos mais eficazes – consiste em trancar-se num cômodo vazio e impor a si próprio a divina tarefa de desempenar uma peça triangular de madeira de cerejeira (entre os babilônios, era intolerável a mera possibilidade da existência de uma geometria mais rígida que a de um triângulo – bem como a de outra mais flexível que a de um círculo – e acreditava-se que, de algum modo secreto, o número de circunstâncias às quais um homem poderia se sujeitar, ao longo de sua vida, aumentaria com o número de suas arestas). Duas horas depois de iniciada a empreitada, a paciência bate à porta; três horas depois, o arrependimento. Este último vem ter com o perdão e outros credos.

Certo é que ali haverá inquisição. Todas as expressões de candura e mansidão que o indivíduo possa querer impor ao seu semblante – com a finalidade única de comover o tribunal – restarão inúteis. Será esconjurado; e tudo o que nele servir ao opróbrio e ao escândalo deverá, antes, servir ao jejum e às ofertas de sacrifício.

Enquanto estiver assistindo à queima das cerejas, o cristão praguejará e tornará a praguejar. Mas, finalmente, serão redimidas todas as suas injúrias. Quanto à peça de madeira, esta sairá do cômodo desempenada e pronta para fazer as vezes de aparador da sala de jantar.

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E haja madeira-que-há! O homem é cheio de devastações. O macaco também.

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